Última alteração: 2023-10-19
Resumo
Contribuição para a sociedade:
O presente estudo relata um caso de febre catarral maligna (FCM) ocorrida em um bovino em uma propriedade leiteira do oeste catarinense em 2023. A FCM foi causada pelo hespesvírus ovino tipo 2 (OvHV-2), um vírus que infecta ovinos sem causar sintomatologia clínica, entretanto que é fatal em bovinos quando transmitido de ovinos infectados. Portanto, esse resumo relata um caso de FCM, uma doença que muitas vezes é subdiagnosticada, e ressalta a importância dos rebanhos ovinos e bovinos serem mantidos separados e sem nenhum contato a fim evitar a transmissão de patógenos entre essas duas espécies animais.
Palavras-chave: Herpesvírus ovino, ovinos, doença infecciosa, diagnóstico laboratorial.
Descrição do caso:
O caso aconteceu em uma propriedade localizada em Xanxerê, SC, com 800 vacas em lactação, em sistema intensivo, alimentação a base de silagem e ração. Um bovino, fêmea, 4 anos de idade da raça Holandesa iniciou manifestação de secreção muco-fibrinosa, com áreas necróticas frequentemente recobertas por fibrina, multifocais a coalescentes na mucosa nasal, espelho nasal e gengivas, mucosa labial e vulva. Ainda, observou-se opacidade de córnea bilateral, opistótono, nistagmo, decúbito lateral com movimentos de pedalagem evoluindo para coma e morte (Figura 1). O curso clínico durou cerca de 5 dias. A vaca foi submetida a avaliação post mortem e fragmentos dos órgãos foram coletados em formalina 10%, processados rotineiramente para avaliação histopatológica, corados com a técnica de hematoxilina e eosina e avaliados em microscópio óptico. Amostras de suabe nasal, fragmentos de pulmão e sistema nervoso central foram submetidas a extração de DNA, seguida de reações de PCR. As amostras de suabe nasal, pulmão e SNC foram testadas por reações de PCR para detecção do hespesvírus bovino tipo 1 (BoHV-1) e tipo 5 (BoHV-5) (ESTEVES et al., 2008). Para detecção de hespesvírus ovino tipo 2 (OvHV-2) foram utilizadas as amostras de suabe nasal e SNC (BAXTER et al, 1993). Para detecção de patógenos respiratórios, os suabes nasais também foram testados por PCR para identificação de Influenza D, parainfluenza bovina tipo 3 (PI-3, atualmente denominado respirovirus bovino 3), vírus respiratório sincicial bovino (BRSV, atualmente denominado orthopneumovírus bovino), pestivírus (BVDV) (GAETA et al., 2011; VILCEK et al., 1994; WEBER et al., 2014).
Resultados:
Os principais achados macroscópicos foram mucosas conjuntivas congestas, áreas necróticas com deposição de fibrina na mucosa nasal, espelho nasal, gengivas, mucosa labial e vulva, e opacidade de córnea. Os achados microscópicos consistiram de infiltrado inflamatório de macrófagos e linfócitos perivasculares no neurópilo e meninges com degeneração fibrinoide da parede de vasos sanguíneos, no encéfalo e rete mirabile, de maneira multifocal, moderada a acentuada. Nos rins também notou-se degeneração fibrinoide da parede de artérias de maneira multifocal e moderada. O animal testou positivo para (OvHV-2) e negativo para os demais patógenos testados por PCR. A identificação viral foi confirmada por sequenciamento de DNA tipo Sanger.
Figura 1. Animal apresentando opistótono, descarga nasal, opacidade de córnea e secreção muco-fibrinosa na mucosa labial e vulva.
A sequência do isolado apresentou uma alta similaridade (>99%) com outras sequências de isolados de OvHV-2 brasileiros detectados em ovinos no PR e em bovinos no MT (figura 2). O OvHV-2 é o principal herpesvírus causador da febre catarral maligna (FCM), uma doença fatal que acomete além de ovinos, bovinos e outros ruminantes. A doença tem uma baixa prevalência, mas é observada em todo mundo, principalmente em propriedades onde ovinos e bovinos são mantidos juntos ou próximos, permitindo algum tipo de contato entre eles (RUSSEL, 2009). Por mais que a doença seja fatal em bovinos, em ovinos, o hospedeiro natural do vírus, não é observado nenhum sinal clínico. Desta forma, a FCM não impacta a ovinocultura, no entanto os ovinos se infectados, atuam como reservatórios, podendo transmitir o vírus para os bovinos. Portanto, os ovinos apresentam um papel epidemiológico relevante. Na propriedade onde ocorreu o caso de FCM há um rebanho ovino que é mantido próximo ao rebanho bovino. À vista disso é provável que esse rebanho ovino tenha sido a fonte de infecção.
Conclusão: um caso de febre catarral maligna (FCM) foi diagnosticado em uma vaca de quatro anos de idade. O animal apresentou sinais respiratórios e sinais neurológicos característicos da doença e o curso clínico durou menos de cinco dias, levando o animal à morte. A FCM é uma doença rara, porém precisa ser lembrada principalmente em propriedades que possuem rebanhos bovinos e ovinos que são mantidos em contato próximo. A doença tem um curso clínico curto, não tem tratamento específico e é fatal.
Figura 2 - Árvore filogenética - sequência parcial do gene do tegumento do OvHV-2. A amostra SC93/23b foi identificada no caso de FCM ocorrida em bovino no oeste catarinense em 2023. Nome do isolado - país - hospedeiro - ano.