Última alteração: 2023-10-26
Resumo
Contribuição para a sociedade: A reprodução é um dos fatores que compromete a eficiência produtiva, uma vez que vacas com infecções uterinas apresentam redução no desempenho reprodutivo e na produção de leite, aumentam os dias em lactação (DEL) e número de serviços até a concepção. Com o diagnóstico precoce destas infecções, medidas podem ser adotadas visando melhorar esses índices reprodutivos. Além disso, a avaliação ginecológica é um método barato e de rápida execução, que permite o diagnóstico de patologias em curto período de tempo. Os resultados obtidos poderão auxiliar a pecuária leiteira no sentido de redução de custos e utilização de tratamentos mais efetivos buscando uma produção mais sustentável. Espera-se contribuir com a pecuária leiteira catarinense através da divulgação dos dados deste trabalho, buscando melhorar as formas de diagnóstico e tratamento destas enfermidades, além de conscientizar os profissionais acerca da utilização de forma adequada de todas as metodologias para identificação de infecções uterinas.
Palavras-chave: dias em lactação, eficiência produtiva, pecuária leiteira, redução de custos.
Introdução: A bovinocultura leiteira é uma das principais atividades econômicas do Brasil, no entanto ela precisa evoluir muito na produção de leite por animal, uma vez que a média do país é de 5,88 litros por dia, evidenciando a baixa produtividade (IBGE, 2022). Ao considerar fatores que interferem na produção leiteira, o desempenho reprodutivo é um dos parâmetros fundamentais que determinam o sucesso econômico das unidades produtoras de leite. Sendo assim, doenças uterinas promovem importantes perdas aos sistemas de produção e como consequência direta, observa-se um aumento do intervalo entre partos e número de serviços por concepção, maiores taxas de descarte, redução significativa na produção de leite produzido por vaca, além dos gastos com medicamentos e assistência veterinária aos animais (SHELDON et al., 2009). Entre as afecções uterinas, são consideradas as metrites, endometrites e piometras, que por definição, variam de acordo com a presença de sinais clínicos e tempo de ocorrência a partir do parto (LeBLANC, 2014). Através do diagnóstico precoce das infecções uterinas é possível tomar decisões mais rápidas e assertivas, quanto à reprodução dessas fêmeas., sendo possível intervir através da utilização de tratamentos hormonais, utilização de antimicrobianos ou ainda produtos com ação mucolítica, quando necessário. Com a realização de um tratamento precoce reduz-se o número de serviços e dias em aberto até a próxima concepção, melhorando a eficiência reprodutiva e, consequentemente, a rentabilidade da produção. Nesse contexto, o objetivo da pesquisa foi realizar a avaliação ginecológica através dos métodos de palpação retal, ultrassonografia transretal, vaginoscopia e citologia endometrial pelo método de cytobrush modificado nas vacas pós parto, com a finalidade de identificar de forma precoce possíveis enfermidades uterinas e assim direcionar para o melhor tratamento, reduzindo as perdas econômicas.
Material e métodos: A pesquisa foi realizada em propriedades rurais localizadas no município de Xanxerê, no Estado de Santa Catarina, que possuem como atividade a bovinocultura de leite. Foram avaliadas 37 vacas em período pós parto de até 60 dias. Após a anamnese para avaliação do histórico reprodutivo dos animais, as fêmeas foram contidas em bretes para realização da palpação retal, utilizando luva de palpação adequadamente lubrificada, com mucilagem ou sabão neutro. Localizava-se os cornos uterinos para avaliação do tamanho, simetria, e grau de contratilidade. Em seguida realizava-se a ultrassonografia transretal para avaliação da presença de conteúdo no lúmen uterino, o aspecto desse conteúdo e espessura das camadas uterinas. Após realizava-se o exame de vaginoscopia com o auxílio de um espéculo tubular de material inoxidável, com tamanho aproximadamente de 40 cm de comprimento e 3 cm de diâmetro, com um bisel de 45º com bordas não cortantes, este era previamente imerso em uma solução desinfetante contendo cloreto de alquil dimetil benzil amônio. Inicialmente higienizava-se a região vulvar, e abertura dos lábios vulvares para a inserção do espéculo em um ângulo de 45º até o fundo do saco vaginal. Após, com o auxílio de uma fonte luminosa avaliava-se o formato, abertura e coloração da cérvix, prolapso de primeiro anel cervical, presença de conteúdo de origem uterina, seu aspecto e coloração. Classificou-se o grau de infecção uterina de acordo com o aspecto, volume e coloração das secreções.
Na sequência, realizou-se a citologia endometrial pelo método de cytobrush modificado conforme descrito por Pascottini et al. (2020). As amostras foram coletadas com o auxílio de uma escova ginecológica, acoplada à ponta de uma pipeta plástica descartável, para lavagem uterina fixada através de calor e revestida por uma camisa plástica sanitária. Realizava-se a higienização da região perineal utilizando solução de clorexidina 2% e após secagem com papel toalha, a escova foi introduzida até o interior do útero, rompendo a camisa sanitária após a passagem pela cérvix. Esta foi pressionada contra o endométrio realizando um raspado, para isso rotacionava-se a escova três vezes. Em seguida, retirava-se a escova depositando o material coletado sob uma lâmina de microscopia, girando a escova sobre a mesma. As lâminas foram identificadas, fixadas e coradas através da técnica de coloração rápida (Panótico rápido, Laborclin), conforme orientações do fabricante. Após secagem, as lâminas foram observadas em microscópio óptico em aumento de 400x, para avaliação da quantidade de polimorfonucleares (PMN) presentes, sendo avaliado um total de 100 células para determinar a proporção de PMN. Presença de mais de 18% de PMNs entre 21-33 dias pós parto ou mais de 10% entre 34-47 dias pós parto indicava que essas fêmeas estavam apresentando endometrite subclínica (KASIMANICKAM et al., 2004).
Resultados e discussões: Através da avaliação ginecológica, 72,9% das vacas estavam apresentando alguma infecção uterina pós parto. Alguns animais durante a avaliação da palpação retal e ultrassonografia transretal não demonstravam sinais clínicos de infecção uterina, no entanto através da vaginoscopia foi possível observar presença de prolapso de primeiro anel cervical e na citologia endometrial a infecção foi confirmada através da contagem dos PMN (neutrófilos) presentes na lâmina, conforme figura 1.
Figura 1: Imagem da avaliação microscópica no aumento de 400X de uma lâmina de citologia endometrial
As doenças uterinas acometem um grande número de animais no período pós-parto, impactando em perdas à produção, reprodução e sanidade animal. Segundo Sheldon; Cronin; Bromfield 2019, aproximadamente 40% das vacas leiteiras desenvolvem alguma doença reprodutiva clínica que irá comprometer a eficiência reprodutiva do rebanho. Os resultados do presente estudo demonstraram valores bastante elevados, podendo ter relação com a características dos animais, uma vez que eram animais de alta produção e estes são mais propensos ao desenvolvimento de infecções bacterianas. Ainda, vale salientar que estes animais eram criados em sistema intensivo de produção, uma vez que todas as vacas coletadas foram provenientes de propriedades que apresentavam sistema de Compost barn. Estes achados corroboram com os encontrados por Martins et al. (2013), que demonstraram que 64% das vacas avaliadas apresentavam metrite ou endometrite até 42 dias após o parto, em um rebanho de vacas da raça Holandesa mantidas em confinamento tipo Free-stall.
Conclusão: Através de uma avaliação ginecológica minuciosa foi possível identificar precocemente as vacas que estavam apresentando alguma infecção uterina, desse modo, podendo tomar decisões mais rápidas e eficazes quanto ao melhor protocolo de tratamento a esses animais. Quando utilizam-se diferentes métodos, associados, para identificação de alguma enfermidade, a avaliação torna-se mais fidedigna, além de reduzir os riscos de falhas na identificação em virtude da limitação de certas técnicas de diagnóstico quando utilizadas isoladamente. Quando realizada a avaliação ginecológica através da palpação retal, ultrassonografia transretal, vaginoscopia e citologia endometrial, um método de diagnóstico acrescentou informações ao outro, possibilitando o diagnóstico final, bem como a tomada de decisão assertiva quanto ao estado de saúde do animal. Assim, a partir de medidas preventivas e ações terapêuticas mais rápidas foi possível evitar perdas, como atraso na involução uterina, maior período de serviço, redução na produção de leite, gastos elevados com tratamento e assistência veterinária e descarte involuntário de vacas.
Palavras-chave
Referências
IBGE, Indicadores econômicos. Levantamento Sistemático da Produção Agrícola Estatística da Produção Agrícola. Rio de Janeiro, 2022.
KASIMANICKAM, R.; DUFFIELD, T.F.; FOSTER, R.A; GARTLEY, C.J.; LESLIE, K.E.; WALTON, J.S. & JOHNSON, W.H. Endometrial cytology and ultrasonography for the detection of subclinical endometritis in postpartum dairy cows. Theriogenology, United States, v. 62, n. 1–2, p. 9–23, 2004.
LEBLANC, S.J. Reproductive tract inflammatory disease in postpartum dairy cows. Animal : an international journal of animal bioscience, England, v. 8 Suppl 1, p. 54–63, 2014.
MARTINS, T. M.; SANTOS, R. L.; PAIXÃO, T. A.; COSTA, É. A.; PIRES, A. C. & BORGES, Á. M. Aspectos reprodutivos e produtivos de vacas da raça Holandesa com puerpério normal ou patológico. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, 65, 1348-1356, 2013.
PASCOTTINI, O.B.; VAN SCHYNDEL, S.J.; SPRICIGO, J.W.; ROUSSEAU, J.; WEESE, J.S. & LEBLANC, S.J. Dynamics of uterine microbiota in postpartum dairy cows with clinical or subclinical endometritis. Scientific Reports, v. 10, n. 1, 2020.
SHELDON, I.M.; CRONIN, J.; GOETZE, L.; DONOFRIO, G. & SCHUBERTH, H.J. Defining postpartum uterine disease and the mechanisms of infection and immunity in the female reproductive tract in cattle. Biology of Reproduction, 2009. v. 81, n. 6, p. 1025–1032.
SHELDON, I. M., CRONIN, J. G., BROMFIELD, J. J. Tolerance and Innate Immunity Shape the Development of Postpartum Uterine Disease and the Impact of Endometritis in Dairy Cattle. Annu. Rev. Anim. Biosci. 7, 361–384. 2019.